O concelho da Sertã é fértil em lendas, mitos e crenças. É com base nesta premissa que iniciamos uma nova secção no blogue, dedicada a este campo tão interessante da nossa etnografia.
Escolhemos para abrir as hostilidades um mito quase esquecido no nosso concelho – a história das mouras da Ribeira da Sertã. Optamos pela versão narrada por Jaime Lopes Dias, na sua fantástica obra «Etnografia da Beira».
“Formosa por seus vales profundos e extensos, de margens belas e verdejantes, dominada por encosta de grande declive e de difícil acesso, a ribeira da Sertã, cercada de pinheirais extensos que, agitados pelo vento, gemem continuadamente suas mágoas, é apreciável elemento de riqueza pelos lodeiros que forma nas suas margens e pela límpida água que oferece ao homem para dessedentamento da terra e das culturas. Vai já distante o tempo em que as serras que a cercam eram povoadas de matas virgens e de animais ferozes.
Hoje, tudo é conhecido. A acção do homem chegou a todos os recantos e, no desbravar dos montes e dos vales, numa das escarpas que do Mosteiro Fundeiro [junto à Senhora dos Remédios] vai até à ribeira, formação geológica, acção do homem primitivo ou uma e outra, ficou à vista uma gruta misteriosa de larga boca escura.
Pelo povo começou a correr que dela saíam, fora de horas, a deambular pelo campo, mouras esbeltas que, por sua desgraça, ali viviam encantadas.
Uma noite foram elas, durante a sua digressão, surpreendidas por um homem. Não podendo fugir, entregaram-lhe um grande lenço atado nas quatro pontas, cujo conteúdo ele não pode ver, e aconselharam-no a que o guardasse bem, porque nele encontraria a própria felicidade! Mas… que não o desatasse. Elas voltariam a aparecer-lhe.
Entre receoso e surpreso, agarrou bem o lenço e dirigiu-se lesto para casa a esconde-lo.
Passaram dias. Debalde voltou à procura das mouras até que, cansado de esperar, contou à mulher o sucedido.
Porque não havia ele de ver o que estava no lenço e voltar a atá-lo tal como o recebeu? – obtemperou a esposa.
Dito e feito! O lenço foi desatado e, dentro, encontrada pequena porção de carvão.
Ora, carvão daquele fazia ele todos os dias do mato que queimava e das próprias brasas da sua cozinha, e por isso guardou o lenço e deitou fora o conteúdo.
Na noite desse dia as mouras apareceram-lhe.
Tristes, seus rostos macerados, não balbuciaram palavra! O homem puxou do lenço que trazia dobrado no bolso, desdobrou-o e fez menção de o entregar, mas, nisto, umas falhucas de carvão que ainda continuavam agarradas ao lenço, desprenderam-se e, ao caírem no chão, tilintaram como moedas do melhor timbre.
Mais velozes que o vento, as mouras desapareceram! E o homem lá ficou a pensar como, por sua curiosidade e inconfidência, deixara de encontrar a própria felicidade, jungindo as infelizes ao degredo eterno”.
Escolhemos para abrir as hostilidades um mito quase esquecido no nosso concelho – a história das mouras da Ribeira da Sertã. Optamos pela versão narrada por Jaime Lopes Dias, na sua fantástica obra «Etnografia da Beira».
“Formosa por seus vales profundos e extensos, de margens belas e verdejantes, dominada por encosta de grande declive e de difícil acesso, a ribeira da Sertã, cercada de pinheirais extensos que, agitados pelo vento, gemem continuadamente suas mágoas, é apreciável elemento de riqueza pelos lodeiros que forma nas suas margens e pela límpida água que oferece ao homem para dessedentamento da terra e das culturas. Vai já distante o tempo em que as serras que a cercam eram povoadas de matas virgens e de animais ferozes.
Hoje, tudo é conhecido. A acção do homem chegou a todos os recantos e, no desbravar dos montes e dos vales, numa das escarpas que do Mosteiro Fundeiro [junto à Senhora dos Remédios] vai até à ribeira, formação geológica, acção do homem primitivo ou uma e outra, ficou à vista uma gruta misteriosa de larga boca escura.
Pelo povo começou a correr que dela saíam, fora de horas, a deambular pelo campo, mouras esbeltas que, por sua desgraça, ali viviam encantadas.
Uma noite foram elas, durante a sua digressão, surpreendidas por um homem. Não podendo fugir, entregaram-lhe um grande lenço atado nas quatro pontas, cujo conteúdo ele não pode ver, e aconselharam-no a que o guardasse bem, porque nele encontraria a própria felicidade! Mas… que não o desatasse. Elas voltariam a aparecer-lhe.
Entre receoso e surpreso, agarrou bem o lenço e dirigiu-se lesto para casa a esconde-lo.
Passaram dias. Debalde voltou à procura das mouras até que, cansado de esperar, contou à mulher o sucedido.
Porque não havia ele de ver o que estava no lenço e voltar a atá-lo tal como o recebeu? – obtemperou a esposa.
Dito e feito! O lenço foi desatado e, dentro, encontrada pequena porção de carvão.
Ora, carvão daquele fazia ele todos os dias do mato que queimava e das próprias brasas da sua cozinha, e por isso guardou o lenço e deitou fora o conteúdo.
Na noite desse dia as mouras apareceram-lhe.
Tristes, seus rostos macerados, não balbuciaram palavra! O homem puxou do lenço que trazia dobrado no bolso, desdobrou-o e fez menção de o entregar, mas, nisto, umas falhucas de carvão que ainda continuavam agarradas ao lenço, desprenderam-se e, ao caírem no chão, tilintaram como moedas do melhor timbre.
Mais velozes que o vento, as mouras desapareceram! E o homem lá ficou a pensar como, por sua curiosidade e inconfidência, deixara de encontrar a própria felicidade, jungindo as infelizes ao degredo eterno”.