terça-feira, 26 de abril de 2011

A Sertã em 1777

Façamos uma viagem no tempo até à Sertã do ano de 1777, altura em que a rainha D. Maria I subiu ao trono e os portugueses assinavam o Tratado de Santo Ildefonso com Espanha, resolvendo assim a disputa pela posse da colónia sul-americana de Sacramento (localizada no actual Uruguai).
Por esta altura, o actual território do concelho da Sertã estava divido em dois municípios: Sertã e Pedrógão Pequeno (este último viria a ser suprimido em 1834).

A agricultura era a principal actividade da população, destacando-se a cultura do azeite que foi, durante séculos, o principal meio de subsistência dos habitantes. Segundo vários documentos da Casa do Infantado e do Almoxarifado da Sertã, existiam mais de dez lagares nos limites dos dois concelhos (só na freguesia da Sertã eram quatro).

O concelho da Sertã era composto por 10 freguesias (Sertã, Várzea dos Cavaleiros, Cernache do Bonjardim, Troviscal, Nesperal, Palhais, Ermida, Marmeleiro, Castelo e Cabeçudo) e o de Pedrógão Pequeno por duas freguesias (Pedrógão Pequeno e Carvalhal). As freguesias da Cumeada e do Figueiredo ainda não haviam sido criadas.

A população total dos dois municípios ultrapassava os 11 mil habitantes, espalhados por mais de 200 lugares.

A vida por estas paragens não era fácil, como o atesta um manuscrito depositado na Torre do Tombo e que terá sido redigido por um habitante da vila nos finais do século XVIII: “(…) Onde não tinhão os olhos liberdade para se divertirem, pois os campos não tinhão efeites, flores o ornato das plantas, frutos hortas e a delia das fontes”.

A Sertã era uma das quatro alcaidarias-mores do Priorado do Crato, juntamente com o Crato, Belver e Amieira, tendo por isso o direito a ter alcaide-mor e alcaide-menor. Em 1777, o alcaide-mor da Sertã (que tinha atribuições de carácter administrativo, jurídico e militar) era Vasco Manuel Cabral da Câmara.

Na Câmara da Sertã, o executivo municipal era constituído por António Velez da Costa Moniz, Bonifácio António Leitão da Mota e Andrade e João Monteiro Cotrim. Em Pedrógão Pequeno, a presidência da Câmara estava entregue a Bento da Silva Ribeiro.

A vida eclesiástica tinha grande expressão em todo o limite do território sertaginense, existindo dois conventos – o Convento de Santo António, na Sertã, e o Convento de São José, em Cernache do Bonjardim.

Francisco Xavier Moniz foi eleito, em 1777, provedor da Santa Casa da Misericórdia da Sertã, lugar que já havia ocupado nos quatro anos anteriores, e João Anselmo Ferreira Granado mantinha-se como almoxarife da vila da Sertã. O juiz de Fora era Manuel José da Silva Ferreira.

Quanto a igrejas e ermidas, onde havia serviço religioso, tínhamos por esta altura notícia de 15: Igreja do Santíssimo Sacramento do Cabeçudo (cura – António Alves Nunes); Ermida de São Domingos na Serra de São Domingos (capelão – Francisco Ferreira); Igreja de São Simão do Nesperal (cura – João Alves da Silva); Igreja de Nossa Senhora de Palhais (cura – Crisóstomo Luís Aires); Ermida de São Pedro no Trizio (capelão – Manuel Caetano de Andrade); Igreja de São Vicente do Troviscal (cura – João Monteiro Cotrim); Igreja do Espírito Santo do Castelo (cura – António Pestana); Igreja de São Pedro da Várzea dos Cavaleiros (cura – Manuel Mendes Bicho); Ermida de Nossa Senhora da Esperança na Ermida (capelão – António Dias); Igreja de São Sebastião de Cernache do Bonjardim (vigário – João Martins Correia); Ermida de Nossa Senhora da Estrela, no Monte Minhoto, freguesia de Cernache (capelão – Manuel Jorge dos Santos); Igreja de Nossa Senhora do Olival, hoje conhecida por Nossa Senhora dos Remédios (capelão – Manuel Alves da Costa); Igreja de São João Baptista de Pedrógão Pequeno (vigário – Manuel Leitão); Igreja Matriz da Sertã (vigário – João Anselmo Ferreira Granado); Ermida de São Rafael, no Bravo, freguesia de Pedrógão Pequeno (capelão – Miguel João) e Igreja de Santo António do Marmeleiro (cura – Francisco Martins). Existiam também mais alguns templos religiosos espalhados pelos dois concelhos, mas onde não havia qualquer serviço religioso.

Fontes: Casa do Infantado (Maços 112 e 764); Convento de Santo António da Sertã; Antiguidades, Famílias e Varões Ilustres de Sernache do Bonjardim, Vol. II; Relação dos Provedores e Auxiliares da Santa Casa da Misericórdia da Sertã; Certan Ennobrecida; Cadastro Populacional Reino de Portugal; História de Portugal;

Imagem: Brasão antigo do concelho da Sertã

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Memórias: A Praça que era do Comércio e agora é da República



Há quem diga que por aqui pulsa o coração da Sertã. Todavia, a julgar pela forma como tem sido estimada e tratada ao longo dos últimos anos, é provável que nos arrisquemos a ter de lhe escrever o elogio fúnebre num destes dias. Falamos da Praça da República, que é hoje uma pálida imagem daquilo que foi no passado.
A sua história perde-se nas brumas do tempo. Até 1910, foi conhecida por Praça do Comércio, porque era aqui que se realizava o tradicional mercado. Uma foto dos finais do século XIX descoberta recentemente, no arquivo particular de Carlos Relvas (filho dos sertaginenses José Farinha Relvas e Clementina Amália de Mascarenhas Pimenta e pai de José Relvas), dá-nos uma ideia da forma como decorria semanalmente o mercado.
Em 1907, um grupo de amigos de Guilherme Marinha Nunes resolveu aproveitar este espaço nobre para aí colocar um busto em homenagem a este ilustre sertaginense.
Com a implantação da República, os homens cá do burgo resolveram mudar-lhe o nome para Praça da República, o mesmo sucedendo com a Rua do Vale que passou a chamar-se Rua Cândido dos Reis.
Ao longo das últimas décadas sofreu diversas intervenções, quase sempre sem se respeitar a herança histórica do local. Mas isso já é hábito por estas paragens!

Foto: Olímpio Craveiro

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O país, o FMI e os candidatos à Assembleia da República pelo distrito de Castelo Branco

O país resgatado pelo FMI, os portugueses a caminho das férias da Páscoa, o Estado a fazer contas para devolver cinco mil milhões de euros aos credores e os partidos a assobiar para o lado e a fingirem que o mais importante neste momento é discutir minudências e não a real situação do país. É para este estado de coisas que a maioria olha por estes dias, achando que o país ensandeceu ou pior – que já nem se preocupa.
O pedido de ajuda externa feito por José Sócrates, na passada semana, prometia ser, ao mesmo tempo, o fim da linha e o ponto de partida para voltar a colocar nos eixos um país que há muito perdeu o norte. Parece que nos enganámos: o triste espectáculo que se seguiu, protagonizado por aqueles que se dizem ‘representantes do povo’, deu-nos a exacta medida das ambições de cada um e a forma como os interesses pessoais e partidários se colocam à frente dos do país. Felizmente, tivemos algumas excepções (poucas, mas tivemos) e destaque-se também aqui o papel de alguma comunicação social, principalmente a escrita, que soube desencadear, ao longo dos últimos dias, uma tentativa de debate sério sobre o real estado do país e sobre as consequências da entrada do FMI em Portugal, que não haja dúvidas fará com que este país e os seus habitantes passem um muito mau bocado.
Temos também a notícia de hoje do Diário Económico de que os portugueses estão a esgotar, em tempo de crise, os destinos de férias na Páscoa. É surpreendente, mas como diz este jornal: “Muitos portugueses estão a queimar os últimos cartuchos antes das medidas de austeridade que se anunciam”. Contudo, é preciso ter em atenção que muitas das reservas que são feitas, por exemplo em Lisboa e no Algarve, são de espanhóis, habituais frequentadores do nosso país nesta altura do ano.
Sobre a devolução dos cinco mil milhões aos credores, pouco ou nada a dizer, apenas que é desconcertante ver a situação a que uma nação como Portugal chegou, depois de todas as hipóteses falhadas ao longo destes últimos 20 anos – fundos comunitários, juros historicamente baixos, ligação a uma moeda forte, três maiorias absolutas (duas do PSD e uma do PS), investimento estrangeiro no nosso país em níveis nunca antes vistos.
Quanto ao último ponto, é preciso começar por dizer que Portugal pede ajuda ao exterior no preciso momento em que está a entrar em campanha eleitoral – até nisto somos originais! Claro que todos esperávamos dos nossos políticos sentido de Estado e de responsabilidade perante este momento decisivo da nossa história, mas infelizmente o que se tem visto é outra coisa. Parece ser altura dos cidadãos darem uma lição de democracia a estes senhores que mais do que governar, têm-se governado.
E abordando as próximas eleições legislativas, teremos que, obrigatoriamente, falar em cabeças de lista e nos nomes que vão integrar essas mesmas listas nos vários distritos. Já se sabe que nestas coisas de fazer listas não impera a lógica do mérito, nem tampouco da competência. Quem não conhece as reuniões e os processos de eleição, levados a cabo no interior dos partidos, ficaria estarrecido com algumas das coisas que por lá se passam. Mas enfim, isso é tema para outras ‘primaveras’.
Por ora, vamos deter-nos no distrito de Castelo Branco, onde já são conhecidos os cabeças de lista dos principais partidos. Aqui vão os seus nomes: José Sócrates (PS), Costa Neves (PSD), Maria Celeste Capelo (CDS/PP), Vítor Reis (CDU) e Fernando Proença (Bloco de Esquerda).
Sobre Sócrates, pouco resta dizer, apenas que os discursos que fez no último congresso do PS são a prova cabal de como o primeiro-ministro deixou de viver na realidade e criou um país que só existe na sua cabeça. Fernando Serrasqueiro, Hortense Martins, Valter Lemos, Jorge Seguro, Conceição Martins, Artur Patuleia e Cidália Farinha completam a lista socialista.
Costa Neves, o açoriano transformado em candidato beirão por Manuela Ferreira Leite, volta a ser o cabeça de lista do PSD por Castelo Branco. Tal como da primeira vez, não se percebe a escolha deste nome, que pouco ou nada diz às gentes do distrito e de quem não se conhece grande acção em prol da região. Cada vez mais me questiono para que servirão as eleições por círculos distritais? O segundo lugar da lista social-democrata é ocupado por Carlos São Martinho e o terceiro por Rita Calmeiro.
Pelo CDS/PP avança Maria Celeste Capelo, professora aposentada e candidata derrotada nas últimas eleições para a Câmara de Castelo Branco.
Vítor Reis, ex-presidente da junta de freguesia do Paúl e antigo vereador na Câmara Municipal da Covilhã, é o escolhido da CDU para o acto eleitoral.
Já Fernando Luís Pinto Proença será o candidato do Bloco de Esquerda. Licenciado em Gestão de Empresas, este professor de 46 anos tentará obter mais do que os 9,08 por cento das eleições de 2009.



Cartoon: António Maia (http://www.oalgarve.com/wp-content/uploads/2011/04/24_cartoon-1024x658.jpg)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Júri das «7 Maravilhas da Gastronomia» deixa pratos sertaginenses de fora

A gastronomia da nossa região não foi feliz no concurso das «7 Maravilhas da Gastronomia» portuguesa. O júri desta iniciativa divulgou os 70 finalistas do concurso e na lista não surgem os maranhos, o bucho recheado e os cartuchos de Cernache (os nossos candidatos).
A concorrência era grande e difícil, ainda para mais quando é conhecida a riqueza e variedade que caracterizam a nossa gastronomia. O concelho estava representado por três pratos, mas nenhum deles ultrapassou a primeira fase.
Mais do que lamentar o resultado, importa trazer à discussão algumas reflexões sobre a forma como temos promovido e protegido a nossa gastronomia. Todos estão de acordo quanto à qualidade da cozinha sertaginense – basta visitar alguns dos nossos restaurantes para perceber que um dos nossos argumentos turísticos mais fortes é a gastronomia. Contudo, é de estranhar que a atenção devotada a este tipo de matérias por quem dirige este concelho seja bastante deficitária e alheada de qualquer estratégia. Veja-se o exemplo dos maranhos, o grande trunfo da nossa cozinha. Há anos que vários ‘iluminados’ da nossa praça falam na importância da preservação e promoção desta iguaria, mas o que se tem visto é precisamente o contrário.
Primeiro, foi a aventura desastrosa da Confraria do Maranho, que poucos perceberam para o que foi criada e onde os seus confrades (à excepção de um ou dois) se demitiram das suas responsabilidades – é bom aparecer nas fotos, mas quando toca a trabalhar, a conversa é bem diferente!
Ainda sobre o maranho, há alguns anos surgiu a notícia de que este produto iria ser certificado. No entanto, pouco se viu até à data, além dos costumeiros discursos de intenções. Talvez por isso não seja de estranhar que os maranhos (cuja origem remonta aos inícios do século XIX) façam parte da lista, publicada pela associação As Idades dos Sabores, dos dez pratos portugueses que correm risco de desaparecer. Não fosse o trabalho de alguns empresários de restauração sertaginense e hoje poderiam ser apenas uma memória.
E a importância do maranho não deve ser vista apenas num nível concelhio ou regional. A vitalidade deste prato vê-se na quantidade de pessoas que se deslocam à Sertã para o apreciar e até mesmo comprar, apesar da sua comercialização para o exterior ainda não estar regulamentada.
O sucesso dos maranhos deve ser fomentado a nível nacional, fazendo deles um verdadeiro embaixador da Sertã, tal como a sopa da pedra é para Almeirim, as alheiras para Mirandela ou as tripas para o Porto. Talvez no dia em que os maranhos forem uma prioridade, exista força suficiente para os tornar favoritos a uma nova lista das «7 Maravilhas da Gastronomia» portuguesa. Até lá, é preciso fazer o trabalho de casa e não assobiar para o lado.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O silêncio ensurdecedor em torno de um hipotético museu na Sertã

Já não é a primeira vez que aqui abordamos a hipotética construção de um museu na Sertã mas, correndo o risco de nos tornarmos repetitivos, voltamos ao assunto. Claro que para alguns, esta matéria é de somenos importância perante os desafios que o concelho e o país enfrentam actualmente, contudo nunca na Sertã o assunto mereceu grande debate por parte dos responsáveis políticos, mais preocupados com outras ‘coisas’ (!!!).
Claro que não é novidade para ninguém a forma ‘vergonhosa’ como o património histórico e natural do concelho tem sido tratado ao longo das últimas décadas e nem vou falar na pouca relevância que é dada ao estudo da história da Sertã (tão rica e cheia de pontos que mereceriam uma atenção diferente). Mais do que dar a conhecer o que foi o passado deste concelho (que viu nascer Homens como Nuno Alvares Pereira, Manuel Antunes, Lopo Barriga, Gonçalo Rodrigues Caldeira e que foi berço das famílias Mascarenhas e Relvas), a construção de um museu seria uma oportunidade única para colocar à vista de todos os vários objectos históricos que hoje permanecem em caves e casas particulares.
Falo, por exemplo, dos resultados das escavações levadas a cabo pelo arqueólogo Carlos Batata, dos valiosíssimos documentos/utensílios/artefactos dispersos por todo o país e que ajudariam a compreender melhor como eram, e como viviam, os nossos antepassados. Mais do que um museu, este local seria um verdadeiro pólo de memória e de interpretação do nosso passado.
E a este propósito enunciemos dois exemplos de municípios que não tiveram medo de arriscar. O primeiro exemplo chega-nos de Fafe, onde a Câmara local resolveu, em parceria com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), constituir um Centro UNESCO – Memória e Identidade, no seio do qual serão formadas equipas multidisciplinares que farão o enquadramento metodológico e científico e consequente trabalho de campo. O objectivo é “fazer o levantamento do património imaterial do concelho, procurando preservar tradições, expressões linguísticas, lendas, rituais e aptidões”.
O segundo exemplo vem directamente da Batalha, que este fim-de-semana assistiu à inauguração (presidida por Cavaco Silva) do seu Museu da Comunidade Concelhia, que segundo os seus responsáveis pretende “valorizar a identidade e a história do concelho da Batalha e dos seus munícipes”, ao mesmo tempo que dará a conhecer “a vida deste território, desde as suas origens geológicas, paleontológicas e arqueológicas, percorrendo os principais acontecimentos históricos e artísticos até à actualidade”.
Claro está que a criação de um museu acarreta custos e que a sua manutenção é altíssima, mas também ninguém está a pedir que se construa um CCB ou um Museu Nacional de Arte Antiga. Quando se vê tanto dinheiro desperdiçado em obras e festas que apenas servem para esconder a ausência de ideias e de estratégia, custa a aceitar que pelo menos a hipótese não seja discutida. E a discussão seria sempre útil nem que fosse para concluir que a Sertã não precisa de um museu.