Os números valem o que valem, mas eles dizem-nos que, entre 1999 e 2009, a área ardida no nosso país foi de 1.570.538 hectares (fonte: ANF). Os incêndios são invariavelmente o triste fado que se repete anualmente sempre que o Verão chega a Portugal e 2010 parece não ser excepção – desde o início do ano registaram-se 14.601 ocorrências de incêndios florestais.
Mais do que lançar achas para a fogueira, importa encarar de forma séria este problema e colocar, de vez, no terreno as medidas/soluções que têm vindo a ser preconizadas ao longo dos últimos anos – e não são tão poucas como isso! Seria também um sinal positivo sentar à mesma mesa todas as partes envolvidas neste processo (Governo, bombeiros, protecção civil, câmaras municipais, proprietários florestais, entre outros), visando a procura de consensos que são fundamentais.
Tenho para mim que este debate não pode acontecer em pleno teatro de operações, com as chamas como pano de fundo e os gritos das populações a servir de banda sonora, como temos assistido diariamente nos meios de comunicação social. Isto porque, entre as palermices do ministro da Agricultura (há anos que o país suspira por alguém competente nesta pasta), as intervenções desnorteadas do ministro da Administração Interna, as férias interrompidas da primeira e segunda figura do Estado (com declarações a raiar a inocuidade e que nada acrescentaram), o desespero dos autarcas a pedir mais meios e a angústia dos bombeiros que não conseguem acorrer a todas as solicitações, aquilo que parece ressaltar é uma terrível sensação de impotência perante tudo o que se passa. E o país não pode viver assim!
Se em alguns casos, pouco ou nada podemos fazer (vários especialistas defendem que as condições climatéricas adversas, que conjugam altas temperaturas com ventos mais secos, são uma das razões que dificultam a extinção dos fogos e contribuem para a sua grande extensão), noutros há, em que nem tudo tem sido feito. Por exemplo, Paulo Fernandes, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), queixa-se, num estudo apresentado recentemente, da “muita desorganização no combate aos incêndios” e de “problemas na formação de quem comanda”. Para o especialista, os comandantes das operações no terreno “não sabem ler o incêndio”.Já Rosário Alves, directora executiva da Forestis, coloca o dedo na ferida e defende um “contrato social entre proprietários, indústria e Estado” para tornar a floresta mais ‘resiliente’. Esta responsável diz que falta concretizar “no terreno” as medidas planeadas aquando da criação das “zonas de intervenção florestal (ZIF)”: “O Proder tardou a iniciar-se e não há ainda reflexos desse investimento”. “Há falta de gestão do território”, constata Rosário Alves.
Um artigo de opinião, publicado na passada semana e assinado por José Manuel Fernandes, acrescenta alguns elementos a este debate. Segundo ele, a primeira razão por que ocorrem fogos de grandes dimensões e consequências catastróficas é “a existência de uma excessiva concentração de biomassa em manchas contínuas. Se não houver suficiente madeira acumulada e matos ressequidos, não há fogos. Quando, em contrapartida, existem manchas florestais contínuas de espécies altamente inflamáveis e nunca se limpam as matas, qualquer pequeno acidente ou descuido é suficiente para que, havendo uma ignição, o fogo progrida de forma galopante e incontrolável. Basta estar mais calor e algum vento. (…) Ora o que sabemos é que, neste domínio, pouco se fez, e o que se fez não chega para produzir frutos. Primeiro porque, fora das áreas das florestas de produção geridas pelas empresas de celuloses, o ordenamento florestal é quase inexistente. Depois, porque as associações de produtores florestais – única forma de ultrapassar os problemas colocados por um mundo rural dominado pelo minifúndio – arrancaram de forma deficiente e, por atrasos no Proder, estão estranguladas financeiramente”.
Mas nem tudo é mau e o Pinhal Interior (onde o concelho da Sertã está inserido) foi ainda ontem elogiado por especialistas, ouvidos pelo jornal Público, devido ao reduzido número de incêndios florestais em 2010. Segundo a notícia, o Pinhal Interior “deixou de ser das regiões mais castigadas pelos incêndios florestais”, uma situação que poderá ficar a dever-se “ao maior reconhecimento do potencial económico pelas populações que dependem da floresta”.
Para terminar uma palavra de apreço e de homenagem aos nossos bombeiros, que na maioria das ocasiões são quem sofre na pele os erros de planeamento e de gestão dos senhores que se sentam confortavelmente nas secretárias de um qualquer escritório, situado bem longe daquelas terras onde os incêndios lavram com toda a intensidade. Estes mesmos bombeiros são também, por vezes, os alvos preferenciais da ira das populações, que desesperam por salvar os seus haveres. Pior do que tudo, é quando estes soldados da paz perdem a vida a combater os incêndios… e só este Verão já faleceram dois.