quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Algumas reflexões sobre a suspensão de actividades do Atelier Túlio Vitorino

A recente suspensão de actividades no Atelier Túlio Vitorino, em Cernache do Bonjardim, deveria merecer uma discussão bastante séria sobre aquilo que é hoje a oferta cultural do concelho e, sobretudo, os públicos a que se dirige.
Aquando da recuperação e abertura deste espaço, várias foram as sugestões para o seu aproveitamento. Ao longo dos anos, o atelier nunca conseguiu assumir ou construir uma identidade própria, apesar dos esforços dos seus responsáveis e colaboradores. Esta situação decorre, em grande medida, da dificuldade de implantar um espaço deste género num local em que não existem hábitos culturais, devido ao desinvestimento continuado nesta área ao longo das últimas décadas – por muito que isso custe, longe vão os tempos em que Cernache era o centro dinamizador de muita da oferta cultural do concelho. E diga-se que a Sertã também não fica bem na fotografia.
Claro está que uma população sem hábitos deste género não se mostra sensível, num primeiro momento, a estas manifestações. Não queremos aqui menorizar ninguém, até porque nisto de cultura tanto vale um espectáculo de música clássica como uma iniciativa em que os mais velhos contam histórias do ‘seu tempo’ aos mais novos (um dos eventos mais conseguidos pelo atelier). Mas é inquestionável afirmar que se torna difícil programar espaços como o Atelier Túlio Vitorino, quando a população não adere às actividades realizadas.
E a culpa é de quem? Talvez de todos nós, que deixámos que um concelho como o nosso morra aos poucos, reduzido a uma oferta cultural que vive da boa vontade dos nossos responsáveis autárquicos e não tanto de agremiações culturais, que se demitiram dessa função há já longos anos (surgem agora algumas tentativas meritórias dos centenários Club de Sertã e de Cernache para mudar o estado de coisas).
Claro que em alturas de crise, este tema nunca será uma prioridade (há outras bem mais prementes), mas é preciso lembrar que a cultura é uma das melhores formas de educar um povo e de qualificá-lo. Num concelho com tão baixa qualificação, a cultura poderia desempenhar, a este nível, um papel fundamental.
Perante tudo isto, o que podemos fazer? Talvez deixar de estar de braços cruzados à espera que outros façam aquilo que também nós poderemos fazer. É óbvio que a Câmara, como dínamo cultural do concelho, tem um importante papel a desempenhar mas é preciso mais dos cidadãos e das elites do concelho, estas que desapareceram por completo e que nos inícios do século XX garantiram um fomento cultural, sem precedentes, no concelho. Eram os tempos em que o concelho da Sertã tinha quatro bandas filarmónicas, duas companhias de teatro, um grupo coral… tudo isto, numa altura em que o dinheiro não abundava.
Uma última palavra para o Atelier Túlio Vitorino, sobre o qual recai um pouco do ónus deste texto. Esperamos que o chamado ‘Plano B’ da Câmara possa devolver a este espaço muito do que ele não teve nestes últimos meses, ou seja, o reconhecimento da população. Mas atenção, esta é apenas a ponta do icebergue daquilo que se está a passar um pouco por todo o concelho da Sertã.