segunda-feira, 13 de junho de 2011

O Interior esquecido – reflexões a propósito do discurso de Cavaco Silva

O presidente da República fez, no passado dia 10 de Junho, um discurso que peca por tardio. A mensagem é válida, actual e pertinente mas não deixa de causar alguma sensaboria que, só em Junho de 2011, e depois de todos os avisos/apelos feitos ao longo dos anos para as assimetrias criadas entre o Litoral e o Interior, para o despovoamento, para a falta de oportunidades de quem optava por resistir à tentação de partir, a preocupação com o Interior tenha-se tornado efectiva. Mas isso não é culpa apenas de Cavaco Silva – o primeiro que falou deste problema sem ser em campanha eleitoral – apesar de o presidente da República também ter a sua culpa no cartório pelo estado a que chegou o Interior do nosso país. Contudo, honra lhe seja feita por ter levantado a questão, ainda para mais num período tão decisivo para Portugal.
Para já, peguemos nas palavras de Cavaco Silva e tentemos perceber o que nos quis dizer o presidente da República. O seu discurso começou de modo lapidar: “Ao escolher Castelo Branco para palco destas celebrações do dia 10 de Junho, pretendo trazer o Interior do país para o centro da agenda nacional, alertando para a questão das desigualdades territoriais do desenvolvimento e para os problemas da interioridade, do envelhecimento e do despovoamento de uma vasta parcela do nosso território”.Com esta frase, Cavaco Silva caracterizou, de forma quase perfeita, aquilo que é actualmente o Interior português, onde o concelho da Sertã se inclui.
Apesar de admitir que este cenário é resultado de “uma tendência estrutural, que não nasceu, sequer, nas últimas décadas”, o presidente lembra – e bem – “o menosprezo dos poderes públicos pela realidade do Interior”, que “obrigaram gerações inteiras a deixar as suas terras, umas vezes rumo ao estrangeiro, outras concentrando-se nas grandes cidades do Litoral, que cresceram de forma desmesurada e, mais ainda, desordenada”.
E a questão do despovoamento surge aqui como central no discurso de Cavaco, que a ela relaciona problemas como o envelhecimento e os fluxos migratórios, “mas também problemas sociais e económicos, como a fragilização dos laços familiares, o desemprego e a delapidação da riqueza criada com muito trabalho e com muitos sacrifícios”. Basta olhar para as vilas e aldeias despovoadas, com as casas a cair e os terrenos, que tanto produziram no passado, votados ao abandono.
O ‘dedo na ferida’ veio logo a seguir: “Portugal foi-se tornando um país desequilibrado, um território a duas velocidades do ponto de vista da distribuição da sua população, mas também no que toca à valorização dos seus activos e ao aproveitamento integral dos seus recursos”.
“O Interior, que contém grandes potencialidades, nomeadamente na agricultura e no turismo, deixou de as aproveitar por uma razão muito simples: perdeu capital humano para o fazer”. E aqui Cavaco falou de duas das mais penosas realidades do Interior, a agricultura e o turismo. Se no primeiro caso, o presidente da República foi um dos grandes responsáveis, enquanto primeiro-ministro, pela forma como a nossa agricultura foi desbaratada e entregue aos senhores de Bruxelas, já no caso do turismo os grandes responsáveis foram os sucessivos governos que tiveram vistas curtas para esta realidade e as autarquias que não souberam definir estratégias coerentes e corajosas que pudessem fazer dos seus concelhos destinos turísticos atractivos. A falta de coordenação entre as câmaras municipais, neste ponto, é também ela desejável.
No que toca à questão do despovoamento, não posso deixar de concordar com Cavaco Silva que chama a atenção para os efeitos nefastos desse mesmo despovoamento e, sobretudo, para aquilo que foi o menosprezo a que o poder em Lisboa condenou as gentes destas regiões. Prometeram-se mundos e fundos e pouco chegou. Não basta dizer que veio muito dinheiro de Bruxelas para as estradas e infra-estruturas da região, até porque, como bem sabemos, o desenvolvimento sustentado não se compadece apenas com estas obras de circunstância que falham quase sempre no essencial.
Mas não podemos culpar apenas o poder central pelo despovoamento, até porque as autarquias locais (apesar de terem assumido um papel fundamental na manutenção da vitalidade que algumas regiões do Interior do país ainda demonstram) têm também culpas no cartório, sobretudo porque foram incapazes de implementar políticas (e não medidas avulsas) que ajudassem na fixação das populações e na atractividade de empresas. É preciso lembrar que o problema não começou com a crise e a incapacidade para dar a volta à situação é visível em algumas autarquias, que infelizmente se partidarizaram em demasia, esquecendo a sua verdadeira função: servir os cidadãos.
Mas isso são contas de outros rosários, porque como bem disse António Barreto, no dia 10 de Junho, “os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade, condições para uma sociedade decente”.
Perante isto, espero que as mentalidades dos nossos decisores políticos possam mudar, para que não voltemos a lamentar-nos disto daqui a 30 anos. Além da agricultura e do turismo, o Interior tem enormes potencialidades em áreas como a floresta e as energias renováveis, que urge aproveitar. Mas não só: “A principal potencialidade do Interior está, no entanto, no espírito que caracteriza as suas populações, as gentes desta terra”.
Antes de terminar apenas uma nota para uma passagem do discurso de Cavaco Silva, em que este lança o apelo para que se preservem tradições e mantenham os vestígios da memória, salvaguardando o património material e imaterial que nos foi legado. Que bom que era que na Sertã, por exemplo, este apelo fosse seguido, para que não nos voltássemos a lamentar de que mais um pedaço de história sertaginense se perdeu… como já tantas vezes sucedeu.

Foto: Presidência da República