Os deputados para a Assembleia da República são eleitos a cada quatro anos, por listas apresentadas por partidos, ou coligações de partidos, em cada círculo eleitoral. A conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt. Diz a lei que os deputados representam todo o país e não apenas os cidadãos do círculo eleitoral pelo qual foram eleitos. Estas evidências estão plasmadas na Constituição Portuguesa e dão-nos uma pequena ideia da organização legislativa do nosso Parlamento.
É salutar que os deputados representem o país e não os círculos eleitorais pelos quais foram eleitos. Contudo, seria mais salutar que, de quando em vez, estes mesmos deputados se dignassem a olhar para os problemas que afligem os seus eleitores e que deles dêem eco na Assembleia da República. Todavia, o que se passa hoje é que a maioria dos deputados, perdidos nos corredores políticos de Lisboa e do seu Parlamento, nem representam o país nem sequer aqueles que os elegeram. Aliás, nos dias que correm parecem respeitar mais a ideologia e a retórica do partido do que o programa político que apresentaram a sufrágio. Quantas vezes não é aplicada a disciplina de voto aos deputados, que estes, receosos da sua posição no partido (ou da sua reeleição), seguem bovinamente? Nem que isso vá contra aquilo que defenderam em campanha eleitoral. Veja-se o caso recente das SCUT (desde sempre mal pensadas e com os resultados que se conhecem).
Vernon Bogdanor dizia, em 1985, que os deputados podiam ser eleitos “para representarem uma ideologia”. Contudo, este investigador realçava que era de esperar que estes mesmos deputados funcionassem como “intermediários ou defensores dos cidadãos individuais, representando-os perante o Estado quando esses cidadãos têm problemas com o funcionamento ou as políticas de qualquer sector da administração pública”. E será que hoje isso acontece?
Mas olhemos por instantes para aquilo que os deputados eleitos pelo distrito de Castelo Branco têm feito desde que foram eleitos para esta legislatura. Quem se recorda da campanha concerteza lembrará as inúmeras promessas feitas ao eleitorado da região e das juras de amor ao distrito.
Analisando a actividade já desenvolvida, verificamos que todos os deputados apresentam um registo de trabalho bastante intenso (sejam do PS ou PSD), com assento em várias comissões e tendo cada um deles apresentado ao Parlamento diversas iniciativas, requerimentos ou perguntas. No que concerne ao distrito de Castelo Branco, as preocupações dos diferentes deputados têm-se centrado na introdução de portagens na A23, no problema da poluição que atinge Vila Velha Ródão, na Linha da Beira Baixa e na crise da Indústria Têxtil. Pouco, para quem tanto prometeu em campanha.
Não deixa, todavia, de ser curioso que um problema que tem afectado um dos concelhos do distrito (Sertã) não tivesse merecido uma iniciativa/questão parlamentar. Se o foi, corrijam-nos. Falamos sobre os atrasos que ainda se registam no apoio aos particulares e empresas vítimas do tornado que, em Dezembro de 2010, provocou vários danos nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã. Mas houve um deputado que se lembrou do problema. Trata-se de José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar “Os Verdes” (eleito pelo círculo de Lisboa), que entregou na Assembleia da República uma pergunta em que questionava o Governo sobre esta matéria. Este é um partido que nunca elegeu um deputado pelo círculo de Castelo Branco. Recorde-se que no passado, iniciativas semelhantes em que a Sertã esteve envolvida já haviam sido espoletadas por deputados do CDS e Bloco de Esquerda, os dois também sem qualquer representatividade pelo círculo onde está incluído o nosso concelho.
Posto isto, e visto que o actual governo social-democrata está apostado em levar por diante uma reforma das leis eleitorais (esperemos que não lhe falte a coragem que lhe tem fugido para enfrentar os grandes grupos económicos), talvez fosse bom pensar se continua a fazer sentido que os deputados sejam eleitos apenas por círculos distritais? Não estará na hora de debater esta questão e encontrar alternativas, que abram espaço por exemplo à participação mais activa dos cidadãos. A sensação que temos hoje é que o exercício da democracia parece exclusiva dos partidos políticos.
E se olharmos para o que nos dizem os últimos dados do Observatório da Democracia talvez seja chegado o momento das reformas. O Observatório diz que apenas 10 por cento dos portugueses se revêem nos deputados que temos. A culpa é de quem? Da Troika? Dos interesses partidários que fecham os olhos ao problema, receando perder deputados no Parlamento? Ou de uma sociedade que deixou na mão de poucos as decisões que deviam ser de todos?