A Casa da Comarca da Sertã vai homenagear o Pe. Manuel Antunes, S.J. (as siglas dizem respeito a Societas Iesu – Companhia de Jesus) num jantar que terá lugar no próximo dia 4 de Novembro, em Lisboa. Na ocasião será apresentada a obra completa deste ilustre sertaginense, editada em 14 volumes pela Fundação Calouste Gulbenkian e cuja coordenação geral esteve a cargo de José Eduardo Franco, presidente da Direcção do Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes. Marcarão ainda presença neste evento o conhecido comentador Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel José do Carmo Ferreira, presidente da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, e Raul Miguel Rosado Fernandes.
Aproveitando a oportunidade e por se celebrar no dia 3 de Novembro o 93.º aniversário do seu nascimento, deixamos aqui algumas notas biográficas e tentamos reconstruir um pouco daquilo que foi o percurso de um homem a quem um dia o Diário de Notícias chamou de “intelectual ecuménico”.
Manuel Antunes nasceu na vila da Sertã a 3 de Novembro de 1918, sendo filho de José Agostinho Antunes e de Maria de Jesus. Era o mais velho de três irmãos (os outros eram José Antunes – que foi presidente da Câmara da Sertã – e Maria do Céu Antunes) e aos 13 anos ingressou no Seminário Menor da Companhia de Jesus, em Guimarães, a que se seguiu a sua entrada, a 7 de Setembro de 1936, no noviciado da Companhia de Jesus, em Alpendorada (Marco de Canaveses).
Foi aí que fez a sua primeira profissão religiosa (8 de Setembro de 1938), tendo depois completado os estudos humanísticos e frequentado o Instituto Superior Beato Miguel de Carvalho (hoje Faculdade de Filosofia de Braga). Licenciou-se em Filosofia, apresentando a dissertação «Panorama da Filosofia Existencial de Kierkegaard a Heidegger».
Depois de um breve período a leccionar Língua e Cultura Latina e Grega, matriculou-se na Faculdade de Teologia de Granada (Espanha), onde se formou em Teologia, completando a sua formação religiosa em Namur (Bélgica).
No dia 15 de Julho de 1949, recebeu a ordenação sacerdotal, conferida pelo bispo de Guadix, D. Rafael Alvarez de Lara, e celebrou a sua missa nova a 31 do mesmo mês na igreja de Nossa Senhora de Fátima, no Porto.
Voltou ao ensino para leccionar no Curso Superior de Letras da Companhia de Jesus e, em Setembro de 1955, rumou a Lisboa para integrar a redacção da revista Brotéria, que havia mais tarde de dirigir (entre 1965 e 1982). A cultura e a filosofia eram os seus temas predilectos nesta influente publicação, que divulgou também vários textos de crítica literária deste autor.
No mês de Outubro de 1957, o escritor Vitorino Nemésio, na altura director da Faculdade de Letras de Lisboa, convidou-o para leccionar, naquela instituição, as cadeiras de História da Cultura Clássica e de História da Civilização Romana. Mais tarde regeu igualmente a cadeira de História da Filosofia Antiga e de Ontologia.
“Creio que jamais faltei a uma das suas aulas e lembro-me que o anfiteatro I da Faculdade estava sempre cheio quando falava”, recordou José Medeiros Ferreira, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro Governo de Mário Soares, em depoimento recolhido pelo Diário de Notícias.
O seu amigo João Maia escreveu: “Era um sábio, dono de prodigiosa informação. Sabemos que o seu poder de estudo era de tal ordem que conseguia integrar, numa bela síntese vital, paralelos sectores de ciências e de saberes”.
Por seu lado, António Leite, num pequeno opúsculo publicado aquando da morte do Pe. Manuel Antunes, dizia: “O que todos os seus alunos mais admiravam era a sua vastíssima e multiforme cultura, o seu poder de síntese, a clareza e vigor da exposição, o seu aspecto modesto e acolhedor, que tornava as suas aulas e a sua convivência muito apreciadas”.
A sua produção literária era invejável. Além de dirigir a revista Brotéria, colaborou com outras publicações, designadamente a Euphrosyme e a Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, tendo assinado também alguns dos artigos que integraram a Enciclopédia Luso-Brasileira, da editora Verbo. Na obra publicada, encontramos uma vasta lista de títulos, de onde se destacam: «Do Espírito e do Tempo» (1960), «Grandes Derivas da História Contemporânea» (1972), «Educação e Sociedade» (1973) e «Repensar Portugal» (1979).
Em 1981, recebeu o título de Doutor ‘Honoris Causa’ da Faculdade de Letras de Lisboa e dois anos depois, no dia 10 de Junho, o presidente da República Ramalho Eanes conferiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
A ligação entre o Padre Manuel Antunes e Ramalho Eanes era bastante estreita, a ponto de o general o ter convidado para seu conselheiro. O antigo presidente da República disse numa entrevista, publicada há alguns anos, que o Pe. Manuel Antunes “era um homem com um profundo conhecimento, de grande prudência, com convicções muito sólidas e com grande carácter”. Acrescentando depois que “o ouvia sobretudo para as grandes questões políticas, ou seja, as questões que tinham que ver com o Estado, com o seu funcionamento, e as relações com a sociedade civil”.
A partir de 1983, o seu estado de saúde agravou-se, vindo a falecer no dia 18 de Janeiro de 1985, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. No seu funeral, marcaram presença algumas das principais individualidades políticas da época, como Mário Soares, Carlos Mota Pinto e Francisco de Sousa Tavares. A Assembleia da República, em sinal de homenagem, guardou um minuto de silêncio em sua memória.
Muito mais haveria a dizer sobre o Pe. Manuel Antunes, mas por agora fica o essencial – o resto da descoberta ficará a cargo de cada um. Como disse a escritora Sophia de Mello Breyner Andresen: “Havia uma coisa extraordinária no padre Antunes: uma grande ligação entre a cultura e a vida”.
João Bénard da Costa, o saudoso e ‘eterno’ director da Cinemateca Portuguesa, sabia-o muito bem e por isso terá afirmado: “Ao Padre Manuel Antunes poderá aplicar-se o que ele próprio disse um dia de Kierkegaard: «um ser que nunca foi criança, nunca foi adolescente, nunca foi jovem, mas adulto, sempre adulto»”.
Na Sertã, além de um monumento erigido em sua memória (cada vez mais escondido), existe também uma rua com o seu nome, mais precisamente a que está em frente ao terminal rodoviário.
Fontes: «Padre Manuel Antunes, S.J. 1918-1985» (Luís Machado de Abreu e José Eduardo Franco); «Padre Manuel Antunes» (João Maia); «Padre Manuel Antunes (1918-1985) – Interfaces da cultura portuguesa e europeia» (coord. José Eduardo Franco e Hermínio Rico); Diário de Notícias
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Padre Manuel Antunes: a homenagem e um pouco da sua vida
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