Dele
se disse que foi um dos pioneiros do cinema brasileiro e que ‘mostrou’ a
Amazónia ao mundo. Silvino Santos, natural de Cernache do Bonjardim, é um homem
com um percurso de vida brilhante mas praticamente desconhecido no seu concelho
de origem. A maioria dos historiadores de cinema presta-lhe reverência, porém o
seu nome não figura na galeria dos notáveis sertaginenses. É a este homem que a
Câmara Municipal da Sertã dedica, a partir do próximo dia 24 de Fevereiro, um
conjunto de iniciativas, que pretendem dar a conhecer um pouco do seu percurso
de vida e sobretudo do legado artístico que nos deixou, tanto na sétima arte como
na fotografia.
O
ciclo de actividades, baptizado com o sugestivo nome de «Silvino Santos – Um regresso»,
tem início a 24 de Fevereiro (segunda-feira) com a abertura de uma exposição fotográfica no Clube Bonjardim, que
ficará patente até 6 de Março. A vila de Cernache do Bonjardim terá também a
oportunidade de assistir, nos dias 25 e 26 de Fevereiro, respectivamente, aos
filmes «O Cineasta da Selva» (documentário brasileiro sobre a vida e obra de Silvino
Santos) e «No Paíz das Amazonas» (filme de Silvino Santos
estreado em 1921 e um dos seus grandes sucessos).
No dia 8 de Março, pelas 21h30m, a Casa da Cultura da Sertã recebe o filme-concerto “No Paíz das Amazonas”, com banda sonora no
local a cargo dos músicos Nuno Costa (guitarra) e Óscar Graça (piano).
O lançamento do livro
«Silvino Santos – Um regresso» e a inauguração da
exposição fotográfica, que esteve em Cernache do Bonjardim, acontecem no dia 9
de Março, a partir das 15 horas, na capela do Convento
de Santo António da Sertã. Nesta cerimónia marcarão presença Aurélio Michiles (realizador do filme «O Cineasta da
Selva»), Márcio Souza (escritor e biógrafo de Silvino
Santos), João Paulo Macedo (comissário da exposição) e João Antunes (Cinemateca Portuguesa). Ainda na mesma data será exibido o filme «O
Cineasta da Selva», na Casa da Cultura da Sertã.
Já a 10 de Março, terá
lugar, igualmente na Casa da Cultura, a conferência «Silvino Santos – Um Pioneiro», onde serão exibidos fragmentos do filme «No Rastro do Eldorado», com comentários de Aurélio
Michiles, Márcio Souza e João Paulo Macedo.
A título de curiosidade
refira-se que Silvino Santos nasceu em Cernache do Bonjardim, em 1886, e era
filho de António Simões Santos Silva e de Virgínia Júlia da
Conceição Silva.
Após abandonar os estudos no Seminário
de Cernache rumou ao Porto, antes de embarcar para o Brasil em Novembro de 1899.
A viagem levou-o até Belém do Pará, onde trabalhou inicialmente numa livraria.
Silvino
Santos desenvolveu, entretanto, o gosto pela fotografia e os seus dotes
foram notados, particularmente por Júlio Cezar Araña, poderoso seringalista peruano que, percebendo as suas potencialidades
e antecipando projectos futuros, lhe financiou uma viagem até Paris. Durante a
sua estada na capital francesa, Silvino Santos passou pelos estúdios da Pathé-Fréres
e pelos laboratórios dos irmãos Lumiére, onde tomou contacto com as últimas
novidades da fotografia e de uma arte que começava a dar os primeiros passos –
o cinema.
Regressado ao Brasil, começou a trabalhar freneticamente, fotografando e
rodando algumas curtas-metragens na zona da Amazónia, financiadas por Júlio Cezar Araña.
O seu primeiro filme, datado de 1914, perdeu-se devido ao naufrágio do barco
que transportava os negativos para os Estados Unidos. Idêntico destino teve o
seu segundo filme, o documentário «Amazonas, o Maior Rio do
Mundo».
Nesta altura, já Silvino Santos fixara residência em Manaus, trabalhando
para a Amazónia Cine Film que produziu, além do documentário sobre o rio
Amazonas, mais 12 documentários seus.
Com a falência desta produtora, Silvino Santos associou-se ao rico
comendador português Joaquim
Gonçalves de Araújo, que financiou o seu filme seguinte, «No Paiz das Amazonas». Estreada em 1921, esta primeira longa-metragem,
filmada inteiramente no Amazonas, obteve um considerável êxito no Brasil
e chegou a ser exibida na Europa e nos Estados Unidos.
A pretexto
da exibição deste filme na Exposição Comemorativa do Centenário da
Independência, Silvino Santos viajou até ao Rio de Janeiro para filmar a
exposição e daí resultou o documentário «Terra Encantada».
O filme que
se seguiu, «No Rasto do El-Dorado», alcançou novo êxito e a sua estreia
coincidiu com o início de uma viagem de Silvino Santos a Portugal, entre 1925 e
1927, acompanhando o comendador Joaquim Gonçalves de Araújo e a família. A
estada em Portugal foi aproveitada para rodar 35 curtas-metragens documentais que
retratavam as diferentes facetas do país e que foram depois agrupadas sob a
designação «Terra Portuguesa». No mesmo período, registou o documentário «Miss
Portugal».
Em 1927
visitou a família, em Cernache do Bonjardim, e documentou a sua passagem pelo
concelho da Sertã com um pequeno filme de 15 minutos intitulado «Sernache de Bonjardim»,
hoje depositado na Cinemateca Portuguesa.
No Brasil,
não parou de trabalhar, apesar de a sua carreira no cinema ter sofrido um
interregno – Silvino Santos estava agora mais dedicado à fotografia devido às
funções que exercia na empresa de Joaquim Gonçalves de Araújo.
O seu nome
viria a cair no esquecimento e só já perto do final da vida voltou à ribalta,
pela mão do Grupo de Estudos Cinematográficos de Manaus.
Ainda antes
da sua morte, a 14 de Maio de 1970, foi homenageado durante a primeira edição
do Festival Norte de Cinema (1969). O seu nome foi depois lembrado em várias
ocasiões, nomeadamente através de biografias e documentários, como o já referido «O Cineasta da
Selva».